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terça-feira, 30 de novembro de 2010

AVALIAÇÃO FORMATIVA: UMA PRÁTICA EXPRESSIVA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL



Este artigo é parte integrante da Revista Digital - PQD 2008 - Rede Adventista para o Estado do Mato Grosso.

Henilson Erthal de Albuquerque - Diretor Geral das Escolas Adventistas de Mato Grosso, licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Mato Grosso e pós-graduado em Gestão Educacional pela Faculdade Adventista Paranaense/ UFPR. E-mail: henilson.erthal@adventistas.org.br



RESUMO


A avaliação tem sido a razão de diversas discussões no contexto educacional. O próprio histórico ao longo dos anos tem apresentado a influência política a que ela tem sido submetida. Encontrar o melhor modelo que venha apresentar os resultados obtidos na aprendizagem, eis o grande desafio. Delimitando neste trabalho à avaliação no contexto da educação infantil, procurou-se realizar um resgate retrospectivo das concepções de avaliação na história nacional brasileira, a fim de que o momento atual possa ser compreendido com maior solidez. Também recebeu atenção a questão dos pressupostos básicos da avaliação da aprendizagem, para que, em seguida, se passasse pela avaliação no contexto da educação infantil. A avaliação formativa foi o cerne do trabalho realizado, sob um olhar da legislação, de teóricos da pedagogia e na perspectiva da Educação Adventista, ambiente onde a pesquisa teve seu cenário. Sendo a avaliação formativa no contexto da educação infantil o tema do estudo, foi apresentado o parecer descritivo como a expressão deste modelo de avaliação, com as devidas reflexões, comparando-o com as avaliações tradicionais classificatórias. O parecer descritivo deve retratar os resultados da avaliação formativa. Assim sendo, a qualificação docente influencia o sucesso ou fracasso deste modelo.
Palavras-chave: Avaliação; Aprendizagem; Avaliação Formativa; Parecer Descritivo.

A avaliação do processo de ensino-aprendizagem é um dos assuntos que inquieta professores, alunos e comunidade escolar e tem sido um dos temas mais discutidos na escola e nos eventos educacionais. Tem-se estudado sobre o seu conceito, seus princípios e sua operacionalidade, com o objetivo de encontrar alternativas viáveis para que o processo avaliativo aconteça de forma eficiente.

Se fizermos uma retrospectiva histórica sobre a avaliação do processo ensino e aprendizagem, perceberemos que a escola vem acompanhando as diversas tendências, que variam conforme o contexto sócio-econômico, político e cultural de cada época.

Na escola tradicional, calcada na transmissão do saber sistematizado, através da exposição oral do professor, alicerçado na concepção de ser o detentor do conhecimento e o organizador do processo, cabe ao sujeito a participação passiva através de exercícios repetitivos, tendo em vista a memorização dos conteúdos. A função da avaliação restringe-se à evocação dos conhecimentos memorizados valorizando os aspectos quantitativos em detrimento dos qualitativos, portanto, conhecida como avaliação classificatória.

Na escola tecnicista, a ênfase é preparar o sujeito para ocupar um lugar no mercado de trabalho. Portanto, o papel do professor é o de controlar e o de dirigir através de atividades mecânicas. Sua figura, porém, perde em importância para as tecnologias, que têm nele um mero especialista para a sua aplicação. Julga-se que, para aprender, basta organizar muito bem as atividades, missão para especialistas alicerçados em técnicas. Estas devem concorrer para que o sujeito reaja a estímulos de modo a corresponder ao que foi solicitado. Assim, o fazer pedagógico valoriza o processo de condicionamento através de técnicas e programas específicos. O papel da avaliação é a valorização do comportamento observável-mensurável.


O que se observa no contexto educacional atual é que a avaliação tem sido interpretada como sinônimo de testar e medir. Um expressivo número de professores aprova ou reprova o educando, valendo-se exclusivamente de provas e testes. Essa prática tem sido encarada como instrumento de punição ou rejeição, pois dificilmente um teste ou prova teria capacidade de refletir a proporção correta da avaliação.

Frente a esta realidade, questiona-se: (1) Qual é a postura necessária para um educador comprometido? (2) Quais os conceitos, habilidades e valores a serem trabalhados no contexto escolar com os educandos envolvidos no processo avaliativo? (3) Qual a função social da avaliação escolar? (4) Qual a proposta de avaliação que construa/inclua ao invés de excluir?

A nova proposta educacional da Lei de Diretrizes e Bases no. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, no inciso V, do art. 24, sobre a verificação do rendimento escolar, estabelece: avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais.

No que se refere à Educação Infantil, a Lei de Diretrizes e Bases, no art. 31, diz que “a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento da criança, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental”.

As DCNEI (Resolução CEB n°. 01/99) reafirmam o disposto na LDB, estabelecendo em seu art. 3º, inciso V, que “as propostas pedagógicas para a Educação Infantil devem organizar suas estratégias de avaliação através do acompanhamento e dos registros das etapas alcançadas nos cuidados e na educação para crianças de 0 a 6 anos, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental”.

O relatório de avaliação diverge radicalmente da visão estática e constatativa da avaliação classificatória, porque o seu sentido não é de apontar o que a criança “é ou não é capaz de fazer”.

Nesse sentido não há possibilidades para listas de comportamentos e/ou critérios uniformes de desempenho, para classificação conceitual desses comportamentos ou para elaboração de relatórios a partir de roteiros pré-fixados ou escalas comparativas, tais como: atingiu, atingiu parcialmente, não atingiu; muitas vezes, poucas vezes, não apresentou; muito bom, bom, fraco; entre outras.

Um Olhar sobre a Avaliação Formativa



A Avaliação Formativa na Perspectiva do Dia a Dia

A avaliação formativa ocorre durante o processo de ensino-aprendizagem. É aquela que dará subsídios ao aluno e ao professor para a verdadeira construção do conhecimento. É caminhar, parar por um momento, e continuar caminhando no mesmo rumo ou por outros atalhos, fruto de uma reflexão realizada ao longo do processo.

Como nos afirma HADJI (2004, p. 21) “a avaliação formativa implica, por parte do professor, flexibilidade e vontade de adaptação, de ajuste. Este é, sem dúvida, um dos únicos indicativos capazes de fazer com que se reconheça de fora uma avaliação formativa: o aumento da variabilidade didática”.

Nas palavras de PEÑA (1999, p. 56), a avaliação formativa se “verifica de forma continuada o quanto o aluno está aprendendo, mas ajuda a refletir sobre o processo, é uma tomada de consciência das estratégias de pensamento que o aluno está utilizando para progredir na aprendizagem proposta”.

Na visão de BASSEDAS (1999, p. 176),

É a avaliação que se realiza de uma maneira progressiva e paralelamente às diferentes situações e atividades que se desenvolvem. É a que possui mais sentido e importância na questão educativa (de fato, também nas outras), pois permite modificar a intervenção a partir das informações que se obtém nas próprias atividades de aula.
Nos dias atuais, é de absoluta relevância que os educadores rendam-se à avaliação sob esta perspectiva, pois cada aluno possui suas potencialidades e limitações. É um procedimento avaliativo que requer dedicação constante do professor, cujas intervenções só terão sentido se ocorrerem durante o processo ensino-aprendizagem, nos momentos em que as dificuldades aparecerem para poder ajudar os alunos a superá-las.

Para tanto, entende-se que toda avaliação que ajuda o aluno a aprender e a se desenvolver, é tida como formativa. “Uma verdadeira avaliação formativa é necessariamente acompanhada de uma intervenção diferenciada, com o que isso supõe em termos de meios de ensino, de organização do grupo-aula, até mesmo de transformações radicais das estruturas escolares” (PERRENOUD, 1999, p.15).

Sendo assim, pesar, agir, repensar um ciclo que abre horizontes, torna possível a cada aluno em sala de aula, atingir os objetivos propostos nas diferentes atividades ministradas.

BASSEDAS (1999, p. 176), ratifica o pensamento afirmando que

A avaliação formativa insere-se no processo educativo e tem a finalidade de proporcionar informações que servem para ajustar ou mudar a atuação educativa. Trata-se, então, de adaptar o ensino às características e às necessidades que as crianças apresentam no decorrer das diferentes atividades: enquanto se ensina, enquanto jogam, enquanto trabalham... especialmente a partir da observação e da escuta.

Porém, esta observação, para se perceber a necessidade de mudança de estratégia que vise ao aprendizado de maneira significativa, não deve ser passiva, mas sim algo ativo. Segundo BASSEDAS (Ibid., p. 176), esta observação se dá perguntando, ajudando, propondo coisas diferentes às diferentes crianças e detectando, dessa maneira, a sua capacidade de receber ajuda, de aceitá-la e de aproveitá-la.

Esse tipo de observação participativa produz-se quando se ajuda uma menina a acabar um quebra-cabeças; quando se diz a um menino que está tentando fazer uma casa para observar um companheiro que também tenta fazer uma; quando se vai verbalizando as partes do corpo a uma criança que está fazendo o desenho de uma pessoa e em muitos outros momentos, nos quais se tenta verificar o que os alunos são capazes de fazer, quando são ajudados, ou quando se faz uma atividade justamente com eles (Ibid., 176).
Ainda, conforme BASSEDAS (Ibid., p. 176-177), em situações como essas, não se avalia somente o que a criança sabe fazer sozinha, mas também o que sabe fazer com a ajuda ou na interação com outras pessoas. Valoriza-se, como diz Vygotski, a “zona de desenvolvimento proximal” e o potencial de aprendizagem dos alunos quando interagem com outros ou recebem um pouco mais de ajuda.

O professor, ao fazer uso da avaliação formativa, no dia-a-dia de suas práticas pedagógicas, entre seus alunos, carteira a carteira, obterá preciosas informações sobre o que os mesmos aprendem, sobre suas dificuldades apresentadas em cada tipo distinto de atividade do currículo. Assim fazendo, poderá “ajudá-las [as crianças] de maneira diversificada” e “replanejar a programação quando for necessário” (BASSEDAS, 1999, p. 177).

Certamente que, assim fazendo, resultados mais significativos poderão ser alcançados, tanto por docentes como por discentes, que conviverão numa sala de aulas repleta de experiências vitoriosas, em que todos caminham juntos, ajudando-se mutuamente.


Conforme afirma BASSEDAS, (1999), a avaliação formativa não é, definitivamente, a finalidade que se deve alcançar; a finalidade é organizar uma prática educativa adaptada e estimuladora das possibilidades de cada criança.

Avaliar a educação infantil implica detectar mudanças em competências das crianças que possam ser atribuídas tanto ao trabalho realizado na creche e na pré-escola quanto à articulação dessas instituições com o cotidiano familiar. Implica analisar, com base em escalas de valores, as mudanças evidenciadas. Exige o redimensionamento do contexto educacional - repensar o preparo dos profissionais, suas condições de trabalho, os recursos disponíveis, as diretrizes defendidas, os indicadores usados -, para promovê-lo ainda mais como ferramenta para o desenvolvimento infantil. Envolve conhecer diversos contextos de desenvolvimento de cada criança, sendo um retrato aberto, que pontua uma história coletivamente vivida, aponta possibilidades de ação educativa, avalia as práticas existentes. Trata-se de um campo de investigação, não de julgamento, que contribui decisivamente para uma proposta pedagógica bem delineada (OLIVEIRA, 2005, p. 255).

A Avaliação Formativa na Perspectiva da Filosofia Adventista de Educação

Segundo PEDAGOGIA ADVENTISTA (2004, p. 82), a Educação Adventista, como rede confessional de escolas, está estruturada filosoficamente de maneira que a avaliação não seja somente um momento ao longo de um período de estudos, mas um processo essencial para a formação do ser humano. A avaliação deve ser compreendida como a verificação de todo um processo de ensino-aprendizagem que envolve todas as faculdades do ser humano: física, mental, social e espiritual, numa perspectiva dialógica entre processo-resultado, sendo qualitativa e quantitativa.

A Educação Adventista concebe avaliação como algo que “ocorre todo o tempo, em todos os espaços, com o propósito de oportunizar um momento de reflexão e crescimento ao educando e ao educador” (Ibid, p. 82).

Esta avaliação deve também compor um “conjunto de procedimentos dentro do processo educativo e deve refletir, em todos os aspectos, a busca dos objetivos propostos” (PEDAGOGIA ADVENTISTA, 2004, p. 82).

Permeando esta visão, a Educação Adventista defende uma avaliação sistemática da aprendizagem que garanta o aumento das capacidades e habilidades, da motivação, da autoconfiança do educador e do educando e das responsabilidades pela própria aprendizagem. “É essencial que seja contínua, integrada, abrangente, versátil, de caráter compreensivo e de forma a incentivar o compromisso do educando com o seu próprio crescimento” (Ibid., p. 83).


A avaliação também deve manter caráter individualizado, pois cada ser humano é diferente do outro, com características diferentes, potencialidades diferentes e, por conseqüência, formas de aprender diferentes.

A avaliação, para ser coerente eficaz, precisa considerar as diferenças individuais e as várias formas de aprendizagem, utilizando diferentes instrumentos de verificação do rendimento escolar para conhecer o quanto e em que níveis de qualidade estão sendo atingidos os objetivos (Ibid., p. 83-84).

A Educação Adventista, calcando na Bíblia todo o seu processo de ensino-aprendizagem, estabelece princípios básicos que norteiam sua forma de avaliar:

- Redentiva: Isso significa verificar a aplicação do conhecimento da verdade em situações diversas nos campos físico, mental, social e espiritual.
- Integral: É preciso contemplar as diferentes capacidades do educando.
- Significativa: Deve-se considerar a relação entre ação-reflexão-ação.
- Permanente: Cada processo, etapa ou estágio de ensino merece atenção.
- Cumulativa: Devem-se evocar aprendizagens já adquiridas e aplicá-las em situações mais abrangentes.
- Pragmática: É necessário relacionar causa e efeito e teoria e prática.
- Coerente: “Deve-se usar o bom senso e priorizar os pontos mais importantes avaliando o que foi realmente ensinado” (Ibid., p.84).
A Educação Adventista propõe a formação de um sujeito, crítico, responsável e solidário – um construtor de seu conhecimento, de sua cidadania e, por conseguinte, de seu caráter.

Deve-se ensinar os jovens a ter em vista o desenvolvimento de todas as suas faculdades, tanto as mais fracas como as mais fortes. Muitos têm a disposição de restringir seu estudo a certos ramos, para os quais têm gosto natural. Devemos precaver-nos contra este erro. As aptidões naturais indicam a direção do trabalho da vida, e, sendo genuínas, devem ser cuidadosamente cultivadas. Ao mesmo tempo deve ter-se sempre em vista que um caráter bem equilibrado e o trabalho eficiente em qualquer ramo, dependem em grande parte daquele desenvolvimento simétrico que é o resultado de um ensino proficiente e geral (WHITE, 1997, p. 232).

O Parecer Descritivo como Expressão da Avaliação Formativa

Segundo HOFFMANN (2006, p. 55),

o registro da história da criança, no processo avaliativo, não pode significar apenas memória como função bancária, ou seja, há que se pensar no significado desse registro para além da coleta de dados ou informações a partir da observação de uma criança. Por outro lado, em avaliação, não há como nos basearmos apenas na memória, porque ela é muitas vezes falha. A memória pode ser precária, generalista. Ela não é rigorosa e nem sempre se aprofunda.
Partindo do pressuposto de que necessitamos abandonar definitivamente o sistema tradicional de avaliação que deposita e saca, e que o registro da aprendizagem deve ocorrer de maneira significativa, não informalmente (com base na memória), aumenta a convicção de que a avaliação formativa deva fazer parte do contexto das escolas.

A busca por uma maneira de materializar esta questão discutida até aqui em nível teórico e filosófico evoca a possibilidade do parecer descritivo ser uma maneira de expressar a avaliação formativa.


O Parecer como Nova Possibilidade Frente às Fichas de Avaliação Comportamentalistas


Segundo HOFFMANN (Ibid., p. 49), “a prática vigente em instituições de educação infantil aponta para a elaboração de fichas de comportamento ou de pareceres descritivos ou as duas formas de registro na grande maioria das instituições”.

É interessante observar que registros de avaliação sob a forma de pareceres descritivos (relatos escritos do desempenho da criança) surgem justamente na pré-escola e que ela é precursora dessa modalidade de parecer avaliativo. O que pode significar uma tentativa de caracterizar a natureza ‘qualitativa’ e ‘descritiva’ do seu processo avaliativo, coerente à natureza do trabalho pedagógico, desprovido de ‘provas’ de aprendizagem, de graus, menções ou outras medidas quantitativas do ensino regular. Como aspecto altamente positivo, observa-se hoje, a influência dessa modalidade de registro em várias instâncias educativas, como a educação infantil e a educação de adultos e no próprio ensino regular, predominantemente, nas séries iniciais (Ibid., p. 49).
Após tantas discussões a respeito da importância de fazermos o uso da avaliação formativa, surge o parecer descritivo como forma de substituir as fichas de comportamento, tão peculiares no contexto de uma avaliação tradicional e de caráter quantitativo.

Devem ser ressaltados os itens que o parecer, como forma de avaliação, busca resgatar: a natureza “qualitativa” e “descritiva” do processo.

A complexidade que envolve a avaliação do desenvolvimento infantil exige registros descritivos e reflexivos que ultrapassam em muito uma prática de ‘avaliação por cruzinhas’, ou o preenchimento de formulários padronizados. E essa é uma consideração que se aplica a todas as instâncias da educação (HOFFMANN, 2006, p. 52).
HOFFMANN (Ibid., p. 52) afirma ainda que

o que se deve garantir em educação é o respeito às diferenças de cada um. E esse respeito às diferenças exige uma permanente observação e reflexão do processo individual de construção do conhecimento, que só pode acontecer através dos processos descritivos e qualitativos do seu desenvolvimento embasados em princípios mediadores.
Preservar a individualidade, demonstrando respeito a estas diferenças – eis o grande desafio e o principal acréscimo contido na avaliação formativa e na elaboração dos pareceres descritivos.

Nesse sentido, os relatórios de avaliação representam a análise e a reconstituição da situação vivida pela criança na interação com o professor. Eles representam, ao mesmo tempo, reflexo, reflexão e abertura a novos possíveis. Ao objetivar, através do relatório, o seu entendimento sobre o processo vivido pela criança, o educador se reconhece como partícipe desse processo, co-responsável pela história construída por ela. Elaborar o relatório de acompanhamento da criança equivale, assim, ao educador assumir conscientemente seu compromisso com ela, e abrir-se à colaboração da própria criança, dos pais e outros educadores no processo avaliativo (Ibid., p. 55).

FREIRE (1989, p. 3, apud HOFMANN, 2006, p. 55) afirma que

Por outro lado, relatórios de avaliação podem configurar-se em elos significativos entre a percepção do professor e suas intenções pedagógicas, à medida que representam uma ruptura com o cotidiano mecânico e rotineiro, que impede a reflexão. O relatório estende-se para além da observação enquanto constatação.
A criança, quando passa pela avaliação formativa, tem no parecer descritivo o registro que faz da construção do conhecimento sua própria história no contexto escolar.

Para a criança, o relatório de avaliação é o registro que historiciza o seu processo de construção de conhecimento e que constitui a sua identidade. Ele provoca o olhar reflexivo do professor sobre seus desejos, interesses, conquistas, possibilidade e limites, tornando-o partícipe de sua caminhada. Ele é um instrumento socializador de suas conquistas históricas, favorecendo o surgimento de outros olhares reflexivos sobre sua história, tornando-a singular para muitas outras pessoas, e, ao mesmo tempo, contextualizando o seu processo evolutivo e natural de desenvolvimento (HOFFMANN, 2006. p. 56).
O parecer descritivo deve ir além das obrigatoriedades burocráticas impostas pelos sistemas de ensino, como forma de garantir o controle de qualidade das escolas e prestar contas aos pais sobre o que se tem ensinado.

Os relatórios de avaliação alcançam o seu significado primeiro à medida que ultrapassam a função burocrática, para expressar com objetividade e riqueza o processo vivido por alunos e professores no processo educativo. O que lhe dá fundamento é o cotidiano da criança acompanhado pelo professor através de anotações de suas descobertas, de suas falas, de conquistas que venha fazendo nas diferentes áreas do desenvolvimento (HOFFMANN, 2006, p. 56).
O parecer descritivo, assim organizado, leva-nos a compreender a forma como a trajetória de cada aluno se deu. Algumas perguntas servirão como norteador, apontando o caminho percorrido.

Dessa forma, a avaliação exige sistematização sob a forma de registros significativos que irão reorganizar-se, refazer-se no relatório (...) de avaliação. De onde a criança partiu? Quais foram suas conquistas? Que caminhos percorreu para fazer tais descobertas? Quais as suas perguntas, dúvidas, comentários? Como reagiu diante de conflitos emocionais ou cognitivos? Qual o papel do professor nesses diferentes momentos? Essas e muitas outras perguntas fazem parte do processo avaliativo no cotidiano. Respondê-las e/ou refletir sobre elas representa exercitar o olhar sobre a criança em desenvolvimento. A observação, a reflexão teórica e a intervenção pedagógica são ações avaliativas que, articuladas, acabam por se configurar nos relatórios de avaliação (Ibid., p. 56).

A elaboração do parecer descritivo torna-se empolgante pela forma construtiva que seu enredo toma. O seu sentido não é o de apontar o que a criança “é ou não capaz de fazer” e “quais suas atitudes e hábitos na instituição”, na direção de uma verificação e classificação de suas capacidades.

Esses relatórios devem ter um sentido dinâmico de estabelecer elos entre momentos do trabalho pedagógico de um professor ou vários professores, criando um álbum da vida da criança, e permitindo aos pais e professores melhor compreendê-la e ajudá-la em termos de suas possibilidades e limites. Neste sentido, não há lugar para listas de comportamentos e/ou critérios uniformes de desempenho, para classificações conceituais desses comportamentos ou para elaboração de relatórios a partir de roteiros preestabelecidos. Serão as próprias crianças, na sua singular interação com o objeto de conhecimento e com o educador, no seu próprio tempo e circunstâncias que constituirão o conteúdo de cada relatório (Ibid., p. 57).

O Parecer sob um Olhar Crítico: A Necessidade da Elaboração pelos Docentes de uma Proposta Pedagógica nas Instituições de Ensino


Todas estas ponderações a respeito da avaliação formativa e do estabelecimento do parecer descritivo como forma de expressão deste formato de avaliação deve ser analisada de maneira crítica e pormenorizada.

Substituir o sistema tradicional de avaliação por esta nova proposta implica preparo e muito estudo, a fim de que esta promessa de revolução no ensino não venha a ser considerada um modismo frustrado.

Infelizmente, alguns problemas já começam a ser observados em instituições que implantaram os pareceres como forma de avaliar seus alunos.

Segundo HOFFMANN (2006, p. 49),

(...) esses pareceres vêm provocando muitas críticas de pais e educadores, porque acabam por revelar muitas falhas no processo avaliativo (...) tais como: a falta de preparação dos professores para enunciar e redigir pareceres sobre o desenvolvimento infantil, a ausência de uma proposta pedagógica das instituições e que acaba por se retratar nessa forma de registro, ou a falta de acompanhamento das crianças pelos professores que acabam por incorrer em certos absurdos registrados sobre elas.

O despreparo do professor e a ausência de uma proposta pedagógica por parte das escolas deve ser combatido, a fim de que o modelo dos pareceres possa ter seus objetivos alcançados de maneira sustentável, e que “a perigosa superficialidade no relato do desenvolvimento das crianças” (Ibid., p. 49) não seja o resultado observado.

HOFFMANN (Ibid., p. 50) aponta alguns equívocos na elaboração desses registros, os quais são assim apresentados:

a) muitos pareceres reduzem-se a apontar aspectos atitudinais das crianças, com julgamentos de valor sobre essas atitudes, pouco revelando de fato sobre seu desenvolvimento em termos socioafetivos e cognitivos. São breves e superficiais;
b) pareceres elaborados sobre crianças de uma mesma turma tendem a referir-se sobre todas elas a respeito dos mesmos aspectos, numa mesma seqüência e ainda comparando atitudes evidenciadas;
c) alguns pareceres parecem apenas reproduzir, por extenso, fichas de comportamento, apresentando um rol de aspectos apontados sobre a criança, sem clareza teórica ou significado pedagógico;
d) roteiros elaborados por diretores ou supervisores uniformizam o relato de professores e centram-se muito mais na rotina do professor do que na observação do desenvolvimento da criança;
e) os pareceres parecem atender muito mais ao interesse da família, no sentido de poder controlar o trabalho desenvolvido com os seus filhos, do que ser um instrumento de reflexão sobre o desenvolvimento da criança e com significado pedagógico para o professor ou a instituição. É uma penosa obrigação da escola.


Considerações Finais

Pode-se perceber, no transcorrer deste trabalho, que avaliação é um assunto vasto e as reflexões sobre ela não se esgotam.

Porém, mesmo que não se chegue a um consenso a respeito deste tema, percebe-se que a avaliação formativa busca aparar arestas, preencher espaços vazios, tornando o processo de ensino-aprendizagem mais justo, que inclui, ao invés de excluir, fazendo do aluno um participante ativo nas atividades realizadas na escola.

A avaliação formativa tem sua importância e busca contribuir para o planejamento e replanejamento da prática educativa no contexto da educação infantil.

O movimento articulado nela contido, por meio das ações mediadoras em sala de aula, é uma das razões que levam educadores a abraçá-la de maneira verdadeira, a fim de vivenciarem um processo de avaliação mais significativo, em que os alunos, sendo avaliados diariamente e através de eixos temáticos bem estabelecidos, com objetivos que atendem a demandas acadêmicas e relacionais, recebendo atenção individualizada, o que permite a observação da evolução gradativa dos mesmos, e torna-os seres construídos para a cidadania propriamente dita.

O parecer descritivo individual, documento que apresenta a maneira de avaliar a aprendizagem das crianças, todas diferentes ente si, com características peculiares, é uma expressão da avaliação formativa. Se bem elaborado por professores capacitados e comprometidos, apresenta (1) um olhar reflexivo sobre o desenvolvimento de cada menino e menina matriculado nas classes de educação infantil; (2) um verdadeiro feedback, que possibilita a intervenção pedagógica constante para a resolução de dificuldades relacionadas a questões de aprendizagem e socioafetivas, as quais devem caminhar sempre juntas.

A avaliação formativa se adéqua de maneira sui generis aos objetivos da Educação Adventista, ambiente da aplicação da pesquisa, pois esta busca, em sua metodologia de ensino, promover o desenvolvimento integral de todas as potencialidades do ser.


Referências bibliográficas

BOGDAN, R. & BIKLEN, S. Investigação qualitativa em Educação: uma investigação à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994.

BASSEDAS, E., HUGUET, T. & SOLÉ, I. Aprender e ensinar na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 1999.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei no. 9394/96, de 20 de dezembro de 1996.

BRASIL. Ministério da Educação e do Esporto. Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil. MEC/SEF, 1999.

HADJI, C. Avaliação desmistificada. Porto Alegre: Artmed, 2004.

HOFFMANN, J. Avaliação na Pré-escola: um olhar sensível e reflexivo sobre a criança. Porto Alegre: Mediação, 2006.

________, O jogo do contrário em avaliação. Porto Alegre: Mediação, 2005.

PEDAGOGIA ADVENTISTA. Confederação das Uniões Brasileiras da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2004.

PEÑA, M. Formação continuada de Professores na escola: o desafio da mudança, a partir da avaliação da aprendizagem. São Paulo, 1999. Tese (Doutorado em supervisão e currículo). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

PERRENOUD, Philippe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens – entre duas lógicas. Trad. Patrícia Chittoni Ramos. Porto Alegre: Artmed, 1999.

WHITE, E. Educação. 7ª Ed. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1997.

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