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quinta-feira, 25 de novembro de 2010

EXPERIÊNCIA DE LEITURA DO FOTOJORNALISMO NO ENSINO FUNDAMENTAL

Imagem do site: http://www.nfactos.pt/imprensa.php 

Evelise da Costa Neves - Professora do Colégio Adventista do Porto, licenciada em Língua Portuguesa e Especialista em Docência no Ensino Superior pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. E-mail: profeveliseabreu@hotmail.com

RESUMO
Este artigo reporta a experiência de leitura de imagens do fotojornalismo por alunos de 8ª série do Ensino Fundamental. Com instrumentos de análise de recepção baseados na retórica estruturalista, procura-se observar quais as características da leitura efetuada pelos alunos de um conjunto de fotos publicadas em jornais impressos e na internet. Os resultados apontam para uma leitura problemática, porém profícua e passível de ser tomada como base para o desenvolvimento de uma sistemática de enfrentamento de imagens informativas em sala de aula.
Palavras-chave: leitura, imagem, fotojornalismo, recepção.

A fotografia jornalística assume papel relevante na mídia eletrônica contemporânea. Ela é um dos principais elementos para a composição de jornais impressos - cada vez mais atraentes para fazer frente a meios como a televisão e as revistas.
Ganhando espaço e convivendo com textos escritos mais e mais sintéticos, o fotojornalismo secundariza sua função de mera ilustração e passa a guardar volume de informação crescente. Não raramente, jornais reduzem ou dispensam textos escritos para se valer apenas de fotografias e legendas. Mesmo a relação entre a fotografia e o texto escrito, como a própria legenda, pode gerar significações segundas. Muitas vezes, a foto pode informar mais do que a legenda ou mesmo compor esta um quadro irônico, de síntese, de antítese, de comparação, entre outros.
Um dos principais requisitos para a consolidação de uma publicação informativa nos dias de hoje é a idéia da pretensa ‘neutralidade’. Assim, o comprometimento gerado por uma opinião expressa pela palavra escrita, que afasta leitores e pode ocasionar, por exemplo, ações judiciais (por grupos que se sentem lesados) contra os jornais, dilui-se sensivelmente quando uma opinião determinada aparece na fotografia, um poderoso e ainda ‘inimputável’ instrumento de propagação de opiniões e valores.
Há mais um elemento que beneficia o fotojornalismo, sobretudo em relação a meios com imagens em movimento, como a televisão. Embora pareça paradoxal, é difícil a um informativo de televisão dispor de imagens suficientemente representativas acerca dos eventos que noticia. A fluidez das imagens na TV dificulta aquilo que o bom fotógrafo tem como principal arma: a capacidade de gerar imagens efetivamente representativas e com múltiplas significações. Muitas vezes o gesto de um político, captado pelo fotógrafo, simplesmente desaparece na seqüência de imagens da mesma entrevista, quando gravada para a TV.
É possível destacar ainda uma série de diferenças entre as imagens em movimento e os flagrantes de fotografia. Entretanto, as considerações postas dão idéia da importância da imagem impressa.
A foto jornalística tende a assumir outras funções, para além de sua característica primordial, que é informar o leitor, se possível de maneira atraente. Segundo Barthes (1984), é possível observar na fotografia recursos retóricos bem próximos daqueles presentes na palavra escrita. As características metafórica e metonímica, por exemplo, são evidentes no fotojornalismo, bem como nas imagens em movimento. Partindo dessa premissa, isto é, da idéia de que o processo de figuração utilizada na linguagem escrita é também observado nas imagens, procuramos elencar algumas funções recorrentes no fotojornalismo, definidas a partir da instância da produção ou da intenção do jornalista ao selecioná-la. Algumas delas ocorrem no que Barthes chama de plano denotativo ou informativo, são as funções de entretenimento, descritiva e narrativa.
É também fundamental lembrar que, por lidarmos com a leitura da fotografia a partir da instância da sua produção, há uma série de outros fenômenos que precisam ser delineados, sobretudo aqueles envolvidos com a trucagem hoje facilitada pela tecnologia digital.
Para o presente trabalho, é importante notar a diversidade de caminhos que podem ser dados de uma fotografia jornalística. Entretanto, e sobretudo lembrando que estaríamos lidando com alunos ainda em formação e certamente com pouco acesso a jornais escritos, procuramos também delinear, de maneira geral, a recepção dos estudantes em relação à função primeira do fotojornalismo, isto é, informar.
Para tanto, adaptamos a proposta de Marcuschi (1996), sobre os chamados ‘horizontes de compreensão’. Embora feita para se verificar a compreensão do texto escrito, sua proposta adapta-se com justeza para a leitura de imagens, sobretudo no nosso caso, pois o que buscamos nada mais foi do que converter as imagens em linguagem verbal pelos alunos. Sucintamente, o quadro proposto por Marcuschi é o seguinte:
Falta de horizonte: observa-se quando repetimos ou copiamos o que está dito no texto (no nosso caso, na imagem). Não haveria pesquisa por parte do aluno, de modo que ele é capaz de reproduzir apenas o que a cena reportada tem de mais familiar.
Horizonte mínimo: trata-se da leitura parafrástica, em que existe investigação, mas a constatação apenas de elementos da superfície da imagem. Aquelas funções que abordamos antes, para além da informação da foto, não seriam observadas pelo aluno.
Horizonte máximo: quando o aluno gradativamente vai intensificando seu olhar e suas descobertas em relação à fotografia, observando-se inclusive elementos inferenciais, ele rumaria para o entendimento mais complexo da imagem.
Horizonte problemático: ocorre quando o entendimento do aluno supõe considerações idiossincráticas, que podem fugir dos limites do texto ou imagem em questão.
Horizonte indevido: quando o aluno mostra sinais claros de que está lendo erradamente até mesmo a superfície do texto ou imagem.
A turma escolhida para o trabalho apresentava problemas medianos de rendimento, mas postava-se como de relativa facilidade para o trabalho coletivo e individual. Embora houvesse reticência por parte de alguns alunos em certos momentos, participaram de cada exercício 21 estudantes.
No primeiro semestre, as atividades se mostraram convidativas, havendo grande adesão mesmo em exercícios complexos. Viam-nas com entusiasmo e interesse, posto que os assuntos abordados lhes eram atraentes, como comportamento e esportes.
Quando o trabalho começou a se tornar específico (estudo da recepção de imagens fotojornalísticas), houve relutância em continuar: o grupo questionou a validade da atividade, posto que ela não parecia fazer sentido maior do que o lúdico. Bastou a menção acerca da importância das imagens no mundo contemporâneo e também algumas características de leitura verificadas na própria turma para reacender o entusiasmo.
Realizamos um primeiro conjunto de atividades exploratórias, para a verificação de como os alunos liam textos jornalísticos. Foram aplicados três conjuntos de exercícios, tomando como base notícias que tinham fotos como complementos. As questões de entendimento que estavam na superfície dos textos eram mais facilmente dominadas.
Aquelas que de algum modo se amparavam na imagem ou mesmo na informação prévia do aluno também tinham maior possibilidade de compreensão. Já questões inferenciais, envolvendo elementos do texto escrito e mesmo elementos das fotografias, ofereceram dificuldades. Foi aí que decidimos por explorar o entendimento do fotojornalismo.
Realizamos outras sete baterias de exercícios, para a observação de fotos publicadas em jornais e na Internet. De maneira geral, foram escolhidas para o trabalho imagens acompanhadas apenas de uma legenda explicativa. Mesmo quando tais imagens somavam-se a textos escritos em seus suportes originais, elas apresentavam certa ‘autonomia’ de sentido, algo que, de certo modo, tornava dispensável a matéria escrita para a compreensão.
 Cada imagem foi reproduzida para todos os participantes. Juntamente com a cópia, havia um questionário acerca da foto. Acompanharam todas as fotos os respectivos créditos (autor, data, publicação).
Sempre com respostas ‘abertas’, as questões foram tabuladas por similaridade. Os questionários seguiram roteiro comum em termos de complexidade. Perguntas sobre elementos isolados foram seguidas por questões que observaram tais elementos em relação e, mais adiante, por indagações inferenciais.
A maioria das questões versava sobre elementos presentes nas imagens. Para isso, até certa altura do questionamento aos alunos, as legendas eram omitidas. As respostas dos alunos, dadas por escrito, eram recolhidas para posterior tabulação.
A questão da autoria é frágil. Boa parte dos alunos consegue identificar o autor e a origem do material apresentado. Entretanto, parte não consegue discriminar a informação dentro do bloco de identificação (que inclui data, jornal e página). Há alunos que chegam a errar no nome do jornal. Outros confundem personagens das fotos com os seus respectivos autores.
Um dos fatores que contribuem para a precária situação de identificação é o fato de os alunos não terem tido contato com o suporte original: seu contato se deu com a foto em suporte modificado, dificultando a apreciação.
Embora não tenham sido questionados sobre isso, em nenhum momento os alunos manifestaram interesse ou mencionaram curiosidade pelos suportes originais das fotografias. Tal aspecto faz lembrar o quanto estão acostumados com a cultura do excerto promovida pela escola: incapaz de lidar com originais (por diversas razões), a escola é obrigada a trabalhar com a fração, com o exemplo, com o trecho. Assim, ao se defrontarem com imagens de jornal, os alunos pouco viram ali de novidade que os motivasse, a saber, a sua procedência.
Afinal, outras tantas imagens foram postas diante deles e, quando muito, vieram acompanhadas apenas de uma referência do lugar de origem. Em termos metodológicos, uma alternativa é o recorte da foto (pois dificilmente todos os alunos terão acesso simultâneo a um mesmo original de jornal impresso), mas, além da sua identificação, uma transparência ou o próprio jornal apontando para a mesma foto em seu lugar de publicação original.

Leitura da informação das imagens
Muito em função da seleção (que se destacava por imagens com poucos e evidentes traços), os alunos reconhecem de maneira geral a ação principal. No entanto, o apoio na legenda em muitos casos é fundamental para estreitar o olhar do aluno. Em vários momentos, observou-se que o entendimento se limitou ao proposto na legenda. Quando a legenda foi omitida, à exceção dos casos em que a ação se mostrou mais bem delineada, as leituras se diversificaram, chegando ao erro.
A maioria dos estudantes lê partindo de um quadro constituído nos limites ‘horizontais’ da fotografia. Esse quadro, por sua vez, é composto geralmente pelos elementos centrais, que se ligam em uma narrativa.
Em muitos casos, além de não frisarem a presença de elementos secundários, não há o exercício de ligação mais intenso entre os indícios da foto para a busca de um conjunto mais amplo.
Em termos de recepção, pode-se dizer que boa parte dos alunos está num estágio intermediário entre o horizonte mínimo e o horizonte parafrástico de leitura, embora a sua percepção das demais funções nas fotos nos levem a destacar outras características de leitura.

Leitura secundária das imagens
De maneira geral, e, sobretudo, quando podem amparar-se na legenda, os alunos acabam por destacar as predominâncias das fotos. Aquelas com teor mais descritivo e narrativo são melhor identificadas.
Quando esse exercício exige maior abstração, no entanto, as leituras tendem à dispersão e não raramente ao equívoco. A observação tende a restringir-se a componentes descritivos, de certa forma vistos em continuidade para dar idéia de narrativa. Algumas características dessa leitura secundária podem ser sistematizadas.
Tendência narrativa: embora à medida que a foto reporte experiência próxima da vivência dos alunos eles tendam a ‘narrá-la’ de maneira mais consistente, a experiência narrativa é lacunar e diversas vezes amparada em juízos pré-concebidos. As personagens ganham vida com base na experiência dos alunos e não das referências da fotografia.
É comum notar que os elementos destacados da fotografia servem para a construção de uma narrativa que, não raramente, se mistura com a narrativa das próprias vidas dos alunos e não do contexto do fato reportado.
Discurso edificante: sempre presente na escola, esse tipo de discurso evita conflitos e não raramente mostra o mundo com menos arestas – ou sem arestas – do que o cotidiano apresenta.
Em todos os casos, a intenção simbólica de denúncia é percebida como uma mensagem comovente, acirrando maniqueísmos como o bom e o mau, o certo e o errado e assim por diante.
Leitura de superfície: os alunos tendem a ler a superfície das fotos, observando principalmente elementos centrais. Dados secundários ou passíveis de inferência costumam ser deixados de lado. Os elementos mais evidentes e próximos do cotidiano ou do conhecimento dos alunos são prontamente identificados.
A legenda, quando vai mais adiante do que está posto na foto, também tende a complicar a leitura dos alunos.
Apego à concretude dos elementos: talvez a própria dificuldade de ler um suporte com códigos não tão próximos façam o aluno tomar como referência apenas os objetos mais visíveis das cenas reportadas. Em diversas falas, a resposta para o que o aluno estava vendo na fotografia era simplesmente a descrição linear daquilo que ali estava posto.
Em suma, em termos de leitura secundária, há um grande número de casos em que os alunos mostrariam um domínio pontual sobre as imagens: conseguem apreender componentes evidentes da fotografia, deixando de lado elementos ou associações interiores à imagem. Nesse plano, não há interrogações à situação reportada. Um segundo grande grupo teria um domínio intermediário sobre as imagens: teriam apreendido os componentes internos à fotografia de maneira mais orgânica, o que permitiu dar uma noção um pouco mais concreta, com menor margem de equívoco, e inclusive continuidade às cenas reportadas. Neste plano, o aluno foi capaz de fazer inferências, estas, porém, ainda baseadas quase que exclusivamente em elementos presentes na imagem. Finalmente, poucos alunos mostraram domínio abrangente, percebendo nas imagens sentidos sociais para além de maniqueísmos. Em termos de compreensão, a observação de elementos secundários permite confirmar a impressão de que os alunos estariam situados no chamado horizonte mínimo.

Considerações finais
Tal como havíamos suposto inicialmente, a leitura dos alunos mostrou-se frágil em termos históricos: há deficiências na leitura da informação e mais ainda na leitura secundária. Isso, no entanto, não tornou a experiência menos profícua. A heterogeneidade de leituras acabou por nos fazer concentrar mais esforços naquelas mais precárias e se, de certa forma, acabamos por deixar diluir ou de incentivar leituras mais elaboradas, também esboçamos subsídios para os passos iniciais para o trabalho com o fotojornalismo.
O olhar pouco sistemático dos alunos para a observação das imagens é um dado recorrente. Ele é suficiente para mostrar a necessidade de interferência do professor quanto à identificação dos elementos presentes na fotografia, ainda antes de aprofundar a leitura da foto, para fazê-los ver aquilo que está mais visível nas imagens.
Um dos complicadores é o que podemos chamar de certo descompromentimento por parte dos estudantes: aqueles materiais não são feitos para eles, não fazem parte da sua realidade.
Daí sua leitura beirar histórias pessoais ou mesmo equívocos graves de entendimento. Logicamente, esse descomprometimento (ainda que tenham levado a sério a tarefa de ler as fotos!) também se deve à fugacidade dos meios que utilizamos e da própria imprensa, que desobriga o sujeito ao compromisso histórico.
Mas, de todo modo, fica evidenciada uma preocupação capital para o trabalho com o fotojornalismo e com os meios de comunicação de maneira geral: o investimento no ensino de História. Para entender as mensagens de imprensa, talvez antes de expedientes técnicos da comunicação seja fundamental conhecer a História.
O processo de ‘familiarização’ a que o aluno submete as imagens poderia ser explicado por uma obviedade: o aluno lê de acordo com o seu horizonte de expectativas. No entanto, isso pouco ajuda a entender como se dá o processo de leitura dos leitores iniciantes.           
As considerações aqui elencadas devem contribuir para mostrar que a leitura de imagens e, sobretudo, a leitura do fotojornalismo, necessita de trabalho didático-pedagógico apropriado. Talvez não se deva pensar no requinte de uma ‘alfabetização visual’ ou na elaboração de aparato pedagógico específico para lidar com tais questões (como propõe, por exemplo, a Educomunicação), visto que os alunos leem de maneira ‘escolarizada’, isto é, por meio de procedimentos comuns à escola (como a tendência narrativa): um professor dotado de informação e instrumentação é capaz de fazer compreender imagens. No entanto, algum investimento curricular e político deverá ser feito, primeiramente, para fazer entender a avalanche de imagens hoje utilizadas à farta, mesmo por livros didáticos. Assim, será possível cobrar dos alunos esse tipo de leitura!

Referências bibliográficas
ANDRADE, Rosane de. Fotografia e antropologia: olhares fora - dentro. São Paulo: Estação Liberdade; EDUC, 2002
BRUNET, Karla Schuch. Foto Jornalística: Um instrumento ideológico. Santa Maria: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras “Imaculada Conceição”, 1994.
BARTHES, R. O óbvio e o obtuso. Lisboa: Edições 70, 1984.
MARCUSCHI, L. A. Em Aberto, Brasília, ano 16, n. 69, jan./mar. 1996.
   

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