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quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Nova escrita... Velhos problemas


Michelle Bento

A cada ano, milhares de universitários brasileiros criam a expectativa de conseguir um estágio na área profissional que escolheram, e assim, se inserirem no mercado de trabalho e ganharem experiência prática daquilo que aprendem nas instituições de ensino superior. Eles se dedicam para tirar boas notas, se empenham para identificar o segmento no qual o seu perfil se encaixa melhor e, finalmente, iniciam a procura por uma oportunidade. Porém, muitos encontram, durante este processo, um obstáculo que, em tese, não deveriam ter: a Língua Portuguesa. Um levantamento feito pelo Centro de Integração Empresa-Escola do Rio de Janeiro (CIEE/Rio), a partir de provas de seleção para estágios, traz um retrato nada animador. Dos candidatos que participam de processos seletivos para estágio, cerca de 25% são eliminados na prova de Português, composta por questões de gramática e de uma Redação.

Com isto, nem sequer chegam a participar de entrevistas com o departamento de Relações Humanas das empresas, onde podem mostrar as competências comportamentais e a qualidade da formação técnica que têm.

De acordo com o presidente do CIEE/Rio e membro da Academia Brasileira de Letras (ABI), professor Arnaldo Niskier, a dificuldade destes jovens no uso da escrita decorre da falta do hábito da leitura durante a fase de formação.

"Prevejo um futuro ainda mais tenebroso com a inovação do livro digital, pois este será um privilégio para poucos e que poderá trazer prejuízos brutais à educação dos jovens universitários. Não podemos abandonar a mídia impressa sem ganhar a mídia eletrônica, porque ainda não se tem massa critica para dizer que isso será melhor para formação do jovem", explica.

Outro aspecto identificado em textos produzidos por universitários é a utilização frequente de termos típicos da linguagem da internet, mesmo quando a situação exige um tratamento mais formal do vocabulário e da construção de frases. O educador esclarece que o 'internetês', como este fenômeno é chamado, é resultado de um apelo dos estudantes para o conteúdo da internet, no lugar de outras fontes, como bibliotecas. "A falta de convívio com a norma culta da Língua Portuguesa é um fenômeno claro de deseducação. O universo virtual não é a oitava maravilha do mundo e não tem o papel de resolver todos os males", diz Niskier, ressaltando que uma das causas pode ser o hábito de muitos estudantes de copiar trabalhos originais da rede. "Esta é uma atitude nada criativa e desonesta, que muitas vezes, é pouco repreendida pelas universidades. A consequência disso, é que o indivíduo se forma despreparado e não consegue uma boa colocação no mercado."

Para especialista, estudantes não valorizam o bom uso do idioma - Apesar da deficiência, a Língua Portuguesa ainda não é disciplina obrigatória em todas as universidades do Brasil, o que segundo o presidente, dá margem a erros graves por profissionais que têm o Português como ferramenta principal de trabalho. "Temos que defender a ideia da Unesco de incluir uma formação continuada para que, até os que se formaram, voltem aos bancos universitários e tenham chance de aprender o que significa a língua para a cultura", declara Niskier. Para o especialista em Língua Portuguesa, Sérgio Nogueira, esta dificuldade do estudante está diretamente associada à deficiência que ele tem de visualizar as necessidades que ele terá na vida profissional, o que acaba por impedi-lo de valorizar e dar maior atenção a habilidades que ele com certeza irá precisar, como a escrita e a leitura.

"Da mesma forma que o cidadão aprende quando se deve usar terno e gravada e quando lhe é apropriado usar bermuda e chinelo de dedo, ele deveria aprender quando é que não pode usar gíria, quando não pode usar internetês e quando é que deve usar uma linguagem formal. Mas eu vejo tanto a escola como a universidade falhando ao passar isso ao aluno. Muitas vezes, é na vida profissional que as pessoas acabam tendo de aprender isto", atenta.

E para quem pensa que ter um Português em ordem é importante somente para profissionais das áreas de Educação ou Comunicação, o educador revela que a realidade atual é mais exigente do que se imagina. Em todas as profissões, é preciso escrever bem. Não só pela necessidade de fazer relatórios, mas, sobretudo, porque a comunicação escrita é cada vez mais comum nos ambientes e trabalho. "Aqueles problemas que o funcionário podia resolver por telefone, agora são solucionados por e-mail. E, para isso, é necessário saber escrever de forma clara para o entendimento daquele que vai receber. A escrita vai ser usada para o resto da vida deste profissional e, se ele vai escrever em papel ou pela internet, isso não muda nada", frisa Sérgio.

Redação é a parte mais problemática - Com 46 anos de existência, o CIEE/Rio busca intermediar o acesso dos universitários ao mercado de trabalho, por meio da oferta de treinamento e da seleção de estudantes para ingressarem em empresas, e assim, terem uma visão prática da profissão. Nos últimos anos, porém, o centro tem constatado desempenho ruim destes alunos com a Língua Portuguesa.

Os dados registrados no último ano, em dois processos seletivos realizados para duas grandes companhias, confirmam esta queda de rendimento dos universitários. Para uma das empresas, foram convocados 809 candidatos para a seleção, sendo que 37% (309 inscritos) foram reprovados. Na seleção para outra empresa, os resultados foram ainda piores. Dos 324 que participaram da seleção, e 181 foram eliminados (55,5% do total). Com base em um balanço feito pelo supervisor de processos especiais do CIEE/Rio, Luiz Marinho, o maior problema dos universitários é a estruturação da Redação. Segundo ele, observa-se que o candidato possui informação, que é atualizado acerca dos acontecimentos e que tem contato com algum tipo de leitura. Porém, falta o domínio dos recursos essenciais no desenvolvimento de um texto. "O que mais aparece é redação com muita informação, mas que não é trabalhada devidamente. Então, eles dão pinceladas de informação e não conseguem desenvolver o conteúdo. Para quem lê, é difícil ter uma leitura linear, um entendimento do que o universitário quer dizer."

Erros mais comuns são de concordância e ortografia - Para Luiz Marinho, a origem desta deficiência está, sobretudo, no consumo de leitura pela internet. Segundo ele, tal hábito faz com que o estudante assimile este modo de escrita rápido e pouco embasado, e que acabe aplicando a prática às suas produções. "No mundo virtual, as informações que aparecem são curtas, não há um aprofundamento do conteúdo. Este tipo de leitura acaba viciando o jovem para que ele não consiga se desenvolver e elaborar um texto de um modo mais formal, como é exigido no ambiente de trabalho. Percebemos que isso acaba influenciando também a comunicação por e-mail, através do qual ele não consegue se expressar e fazer com que outra pessoa entenda uma solicitação que é feita", diz. Os erros cometidos são os mais variados. Porém, os constatados pelo CIEE/Rio com maior frequência são os de concordância verbal e ortografia, além da dificuldade de desenvolver o tema em um formato mais tradicional e compreensível para o leitor. "É importante saber registrar a ideia e reler a redação pelo menos umas duas vezes para ver se aquilo saiu da forma como planejou", orienta Marinho. Na opinião do superintendente do CIEE/Rio, Paulo Pimenta, esta dificuldade do jovem não é de hoje, mas da falta de incentivo à leitura ao longo dos anos. "O problema destes universitários é a ausência do hábito da leitura que ocorre desde a pré-escola. É preciso que haja uma sequência, não basta que o aluno seja apenas aprovado. É necessária uma verificação mais eficiente se esse aluno realmente aprendeu", fala.

Segundo Pimenta, atualmente do total de estagiários encaminhados pelo CIEE/Rio, 74% conseguem ser efetivado pelas empresas. Porém, a cobrança no mundo corporativo tem crescido. "As empresas estão cada vez mais exigentes. Elas estão dimensionadas a atender um determinado mercado, que cobra mais.

Por isso, o profissional de hoje, precisa ser o profissional do agora e do amanhã", frisa. Mais que encaminhar os estudantes ao meio empresarial, o Centro de Integração também se preocupa em desenvolver aqueles que ainda têm as suas habilidades limitadas, instruindo-os e capacitando-os por meio de cursos e treinamentos. "O foco do CIEE/Rio é não só fazer a inserção do jovem no mercado de estágio, mas também de desenvolvê-lo. Quando não aprovamos alguém em um processo seletivo, percebemos a deficiência e fazemos algo para que esse jovem, quando chamado pela segunda ou terceira vez, não passe pela mesma situação", completa.

* Folha Dirigida* 17 ago. 2010.

Colaboração: Site Stella Bortoni

Gente... que texto maravilhoso para nossa reflexão... nossas formações precisam urgentemente romper a linha das disciplinas e contextualizar de forma transdisciplinar a nossa lingua que percorre tudo o tempo todo. Saber escrever, saber se expressar, saber se fazer entender são processos fundamentais na vida de qualquer um de nós, ainda mais nós EDUCADORES...
O que você achou deste texto... que tal começar sua reflexão por aqui... Passe pelo site da Stella Bortoni, você encontrará muito material para melhorar sua formação e consequentemente sua prática.
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